"Vamos agora imaginar Frederick Bailey em 1828 – um menino afro-
americano de dez anos, escravizado, sem direitos legais de espécie alguma,
havia muito arrancado dos braços da mãe, vendido entre os remanescentes
esfarrapados de sua família extensa como se fosse um bezerro ou um pônei,
enviado a uma casa desconhecida na cidade estranha de Baltimore e
condenado a uma vida de trabalhos pesados, sem nenhuma perspectiva de
alívio.
Bailey foi trabalhar na casa do capitão Hugh Auld e sua esposa,
Sophia, mudando-se da plantação para a agitação urbana, do trabalho no
campo para o trabalho doméstico. Nesse novo ambiente, ele se deparava
todos os dias com letras, livros e pessoas que sabiam ler. Descobriu o que
chamava “o mistério” da leitura: havia uma conexão entre as letras na página
e o movimento dos lábios do leitor, uma correlação quase de um para um
entre os rabiscos pretos e os sons pronunciados.
Sub-repticiamente, ele
estudava na Cartilha Webster do pequeno Tommy Auld. Memorizava as letras
do alfabeto. Tentava compreender os sons que elas representavam.
Finalmente, pediu a Sophia Auld que o ajudasse a aprender.
Impressionada com a inteligência e a aplicação do menino, e talvez desconhecendo as
proibições, ela aquiesceu.
Quando Frederick já estava soletrando palavras de três e quatro
letras, o capitão Auld descobriu o que estava se passando. Furioso, mandou
Sophia parar com as lições. Na presença de Frederick, ele explicou:
Um preto deve saber apenas obedecer ao seu senhor – deve cumprir as
ordens. O conhecimento estragaria o melhor preto do mundo. Se você
ensinar esse preto a ler, não poderemos ficar com ele. Isso o inutilizaria
para sempre como escravo.
Auld repreendeu Sophia dessa maneira, como se Frederick Bailey
não estivesse na sala com eles, como se o garoto fosse um pedaço de madeira.
Mas Auld tinha revelado a Bailey o grande segredo: “Eu agora
compreendia [...] o poder do homem branco de escravizar o homem negro. A
partir daquele momento, eu compreendi qual era o caminho da escravidão
para a liberdade”.
Sem mais ajuda da agora reticente e intimidada Sophia, Frederick
encontrou maneiras de continuar a aprender a ler, inclusive conversando com
os colegiais nas ruas. Depois ele começou a ensinar seus colegas escravos:
“Suas mentes estavam famintas [...]. Eles estavam fechados na escuridão
mental. Eu lhes ensinei, porque esse era o prazer da minha alma”.
A capacidade de ler desempenhou um papel-chave na fuga de
Bailey para a Nova Inglaterra, onde a escravidão era ilegal e os negros livres.
Mudou o nome para Frederick Douglass (em homenagem a uma personagem
de The lady of the lake, de Walter Scott), esquivou-se dos caçadores de
gratificações que perseguiam os escravos fugidos e tornou-se um dos maiores
oradores, escritores e líderes políticos na história norte-americana. Durante
toda a sua vida, ele teve certeza de que a alfabetização fora o caminho para a
liberdade."